O veneno está na… bancada ruralista

PEC 215 é exemplo da “fome” da bancada ruralista/Charge: Latuff 2012

Beira ao inacreditável a força política desproporcional que o agronegócio possui no País. A batalha do Código Florestal (inclusive a luta pela implementação dos itens positivos que sobraram, como Cadastro Ambiental Rural) e o desespero de quase todos os candidatos à presidência pela aprovação do setor  dão mostras do poder da bancada ruralista.

Em um artigo na Folha, o jornalista Claudio Ângelo fez uma interessante analogia para evidenciar o forte lobby dos ruralistas: o comparou a estratégia da cunha, adotada pelos criacionistas estadunidenses para incluir o “design inteligente” (ou seja, o ensino de que descendemos de Adão e Eva) nos currículos escolares do ensino fundamental, sob o argumento de que os estudantes deveriam ser expostos a “outra visão” para não prejudicar o equilíbrio do debate (anh?!).  A estratégia do setor é bem parecida por aqui, incluindo no apelo ao consumo livre (e exacerbado) de agrotóxicos.

Apesar de alguns avanços consideráveis, como a autorização tripartite (para um agrotóxico ser liberado precisa obter o aval dos ministérios da agricultura, saúde e meio ambiente) e exigência do receituário agronômico para liberar a venda, a legislação brasileira é extremamente fraca em relação aos agrotóxicos, especialmente na regulamentação. O que surpreende é que não é falta de conhecimento sobre o risco que corremos, nem de tentativas para mudar essa situação. Atualmente, há cerca de 325 (!!!) proposições que citam o termo “agrotóxicos”  somente na Câmara dos Deputados. Uma olhadinha na tramitação dos principais projetos dá pistas do porquê de tamanho atraso.

Estraga-prazeres

Qualquer tentativa de aumentar a regulamentação ou seguir o princípio da precaução é prontamente barrada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, geralmente depois de ser aprovada na Comissão de Meio Ambiente. Sem falar quando algum órgão executivo (leia-se o Ministério da Agricultura e Pecuária etc) decide se meter (como na liberação unilateral do benzoato de emamectina, substância neurotóxica proibida usada como medida emergencial contra a lagarta Helicorvepa amigera, considerada praga nas lavouras de soja, milho e algodão).  Mas o pior são as justificativas risíveis.

É o caso da PL 3615/2012. Apesar de serem cada vez mais frequentes as “chuvas de veneno”, quando os aviões agrícolas desrespeitam o limite de 500 m de distâncias de povoações durante a pulverização aérea,  a comissão ruralista rejeitou a proposta de lei que visa  obrigar as empresas de aviação agrícola a enviar cópias de prescrições de agrotóxicos e relatórios anuais aos órgãos competentes. O próprio relator (deputado Valdir Colatto do PMDB/SC) rejeitou a matéria, sob o argumento de que  a aplicação aérea de agrotóxicos já é regulamentada e fiscalizada no Brasil. Para ele, só “faria sentido” criar mecanismos de controle adicionais aos já existentes se fossem criados também instrumentos de controle sobre as aplicações terrestres.

Vale lembrar que a Pulverização Aérea já é uma prática proibida na área pelo alto poder de dispersão (somente 30% do insumo aplicado vai realmente para a plantação) e que a tal comissão ruralista tem entre seus feitos a revogação da proibição da pulverização de agrotóxicos nocivos as abelhas, imposta pelo Ibama. E vamos combinar que se de fato a regulamentação e fiscalização fossem  eficientes, não veríamos casos de crianças intoxicadas na escola porque o piloto “não viu”. Embora não tenha sido o primeiro relato,  foi exatamente isso que aconteceu em uma escola em Rio Verde no ano passado, quando 37 pessoas foram hospitalizadas (no total de 92 intoxicadas)  após serem “pulverizadas” por um avião agrícola contendo engeo pleno, substância proibida para pulverização aérea.

Escuridão

Infelizmente, a regulamentação falha da pulverização aérea não é o único perigo que enfrentamos em relação aos agrotóxicos.  A perspectiva não é nada agradável: já somos o maior consumidor de insumos para controle de pragas do Planeta, mas a tendência é de crescimento cada vez maior, inclusive com a introdução de agrotóxicos ainda mais perigosos, como 2,4D (o temível agente laranja), enquanto ainda há possibilidade de retrocessos na legislação, como a tentativa de deixar a autorização de novos produtos somente nas mãos do Ministério da Agricultura.

Este quadro sombrio tem chances de piorar se continuarmos reféns de uma bancada ruralista que prefere se ater aos tradicionais métodos e interesses comerciais, sem vislumbrar o interesse coletivo diante dos danos ambientais e à saúde pública dos produtos que utiliza, e que não reflete grande parte da categoria que diz representar: os próprios agricultores.

Diante desse lobby bilionário, nada mais justificável do que uma campanha como a Não Vote em Ruralista, da 350.0rg. O site bem bacana da campanha mostra por a+b quais são os interesses do agronegócio e quem realmente bota comida em nossa mesa (obrigados a cultivá-la com veneno, pois além da isenção fiscal os agrotóxicos são condicionante para obtenção de crédito agrícola). Enfim, precisamos mesmo entender que até comer é um ato político e só através da consciência do que escolhemos no supermercado (ou nas urnas) podemos mudar essa quadro.

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