Os números e suas limitações

Ao criticar a condução da imprensa ao “fazer um estardalhaço” com a pesquisa do IPEA (aquela que indicava que 65% da população brasileira achava que mulher que vestem roupa sexy merecem ser atacadas, taxa depois retificada para 26%), a ombudsman da Folha Suzana Singer fez uma observação certeira: “Jornalistas, sempre desconfiados dos políticos, são facilmente seduzidos pelo que vem embalado em números e com a chancela de um instituto”. E, invariavelmente, assim o é.

Não sei quantas vezes utilizei taxas, indicadores, estatísticas, quase como argumentos científicos para sustentar uma matéria. Erro, feio, meu. Mas infelizmente não fui uma exceção. Jornalistas, que entrevistam muito bem as pessoas, não têm ideia do que perguntar quando veem números. Não aprendemos isso na graduação, muito menos na escola, quiçá nas redações – os profissionais que o sabem, provavelmente aprenderam na “porrada” ou por interesse específico. Eu até que quis fazer um curso de economia, mas o aprendizado está vindo mesmo por tabela.

Foi um “baque” para mim, ler, logo para a segunda aula de Fundamentos Teóricos da Ciência, Tecnologia e Saúde, sobre os indicadores epidemiológicos. Pois descobri que aqueles lindos números que vez por outra frequentavam meus textos sobre câncer, transtornos mentais e outras patologias, são extremamente limitados. Sim, sim, sim.

Foi incrível descobrir que muitas vezes eles só servem para um determinado fim e que o mesmo número pode até possuir significados contraditórios.  Foi no calor desse susto que escrevi meu primeiro comentário para a disciplina, que exige “resenhazinhas” de uma página sobre um texto a cada aula. Reproduzo-o na íntegra aqui:

Referência: BONITA, R. et al. Epidemiologia básica. Genebra: WHO, p. 15-38, 2010

A definição de saúde como “estado completo de bem-estar físico, mental e social”, adotada em 1948 pela Organização Mundial de Saúde, implicou no surgimento de variados métodos para mensurar o bem-estar, aceito como um nível de saúde que permite o desempenho de uma vida social e economicamente produtiva, em vez de apenas atestar a ausência de doença.

Geralmente, estatísticas são (bem) aceitas pelo público não-especializado como verdades absolutas, e não como dados passíveis de discussão. No entanto, conforme explicitados por Bonita (2010), os modos de medir o estado da doença são vários (incidência, prevalência, letalidade, morbidade, IAV etc) a fim de iluminar diferentes ângulos pelos quais podemos compreender um determinado problema de saúde.

É o caso da taxa de incidência, que pode ser calculada de modo a obter a probabilidade ou risco de um indivíduo da população vir a desenvolver a doença durante um período específico do tempo (incidência cumulativa), ou então retrospectivamente, ao indicar o número de casos novos ocorridos em um certo período de tempo em uma população específica (densidade de incidência, medida pela taxa de incidência pessoa-tempo em risco proposta por Last).

Além das limitações e imprecisões intrínsecas a cada método, essas medições sofrem diversas influências que podem alterar ou dificultar a compreensão estatística da doença. A exemplo da taxa de prevalência de determinada doença, que diminui se uma grande quantidade de portadores vêm a óbito, não indicando por isso, que a taxa melhorou e assim deve ser bem avaliada. Bonita (2010) demonstra as tentativas de driblar tais problemas, como a adoção de taxas de padronização, especialmente para comparações em países distintos.

Em divulgação pública de pesquisas, como em notícias na mídia, raramente os critérios para a obtenção dos dados são explicitados. Desse modo, o público geral, que sequer conhece o mecanismo de produção desses indicadores e comumente se insere em uma visão dicotômica do mundo, pode ser “persuadido” pelos números, na medida em que não capturam a totalidade do estado da doença, como podem aparentar, mas sim um aspecto específico.